MIRIAN  PEREZ

Textos


"O fazer fluido"

 Leda Catunda

O olhar direto, ortogonal, do observador, de frente para a pintura, encontra uma profusão de ângulos recortados e justapostos que parecem brotar na superfície. Essa densa estrutura geométrica ora se regulariza num gradiente estável, ora segue num movimento que sugere um desdobramento, fazendo surgir novos ângulos que parecem vir de dentro para fora.

A procura do ‘assunto para pintar’ vem sendo um denominador comum dentro do processo criativo de um grande número de artistas que, nos dias de hoje, escolhem a pintura como meio, como linguagem. Distantes dos parâmetros modernos, validos até meados do século XX, os artistas agora experimentam a inédita ‘liberdade total’ – absolutamente ampla, vasta e terrível por sua própria natureza. 
Há liberdade total de escolha, tanto na concepção poética como nas investigações de linguagem. Toda sorte de variação é permitida, de quantidades e tamanhos. Agora, a ênfase está muito mais centrada na postura e na atitude do artista. Focada no modo como se coloca diante do corpo de trabalho a que se dedica. A ênfase está na própria escolha. E em alguns casos ainda poderia se dizer que mais conta o que se escolheu excluir do que aquilo que se elegeu investigar. Assim, diante de um universo aparentemente infinito de opções, a determinação de abandoná-las todas em favor de uma pequena fatia, é o ato a ser conferido. Essa atitude, que envolve ao mesmo tempo escolha e abandono é que verdadeiramente inaugura o processo de criação e legitima aprofundamentos e divagações subseqüentes.
O assunto eleito por Mirian envolve basicamente geometria e cor. O tratamento pictórico, ou o modo como a tinta é colocada sobre a tela, é o mais neutro possível. Áreas de cor chapadas surgem plácidas, contendo algumas marcas quase invisíveis de pincel. Este modo de pintar reforça o caráter gráfico da imagem. A artista revisita as possibilidades tal como inauguradas pelas vanguardas do início do século passado, por artistas como Malevich e Mondrian, que romperam com a representação através da abstração geométrica. A pintura construtiva, abstrata, fez escola em diversos países e essa aventura plástica foi protagonizada por diferentes artistas que, em diferentes épocas, envolvidos nas mais variadas metáforas, alcançaram muitas vezes forte intensidade poética. A visualidade da abstração geométrica vem conferindo como poucas uma forte imagem de identificação para a sociedade pós-industrial, veloz, dinâmica, organizada e exigente.
Revisitar poéticas modernas tem sido também, paralelamente, outra forte característica da arte contemporânea. Isto se dá por dois fatores associados, que são: a abrangência estética e o conseqüente quase esgotamento visual promovido pela modernidade associado ao recente poder auto-atribuído da arte hoje de resignificar as visualidades e as proposições artísticas anteriores. Assim, entendendo de um modo bem direto: a arte moderna parece servir à contemporaneidade como um cardápio onde se oferece vasto menu para escolha de proposições inauguradas mas não totalmente esgotadas. Importante ressaltar aqui que não se tratam de releituras mas sim de ressignificação e que não há julgamento de valor, de uma coisa em detrimento de outra. Pelo contrário, a produção de novos significados que se dá através da retomada de assuntos visuais não esgotados gera novas leituras, multiplica entendimentos e sobretudo transforma.
Distante da austeridade das investigações da abstração geométrica tal como as produzidas por Malevith e Mondrian, e frente a um contexto completamente diferente verifica-se na pesquisa, tal como desenvolvida por Mirian, uma atitude renovada. A artista transita entre um fazer que é solto e fluido e ao mesmo tempo obsessivo, de associação de formas angulares e cores, alternando contrastes de temperatura com claros e escuros. 
As telas são por vezes inspiradas na geometria das imagens advindas do imaginário do Oriente Médio, tais como as presentes nos tapetes para oração, e nos pisos e janelas de palácios e templos. Outras vezes refletem meramente a influência da visualidade da arquitetura urbana, de acúmulos de janelinhas empilhadas nas fachadas dos prédios. Imagem que se repete nos trajetos diários de quem vive nas metrópoles, invisível por dispersar-se na funcionalidade cotidiana, gravada porém no senso comum, por tanto reconhecível e familiar a todos. 
Toda a ação parece ser organizada para o ato de preencher. Nas primeiras experiências da artista preencher significava seguir o sentido literal do termo, assim as superfícies se apresentavam completas, repletas, até mesmo lotadas. No desenvolvimento, o preencher deu lugar a uma organização entre cheios e vazios em telas nas quais, além das múltiplas formas e cores, se pode ver um fundo de cor neutra. Nessas telas, parece acontecer um tipo de congelamento do brotar de formas e como num frame de uma animação, é possível intuir onde o movimento rítmico iria chegar. Essa incompletude que deixa o campo visual aberto sugere um rastro do caminho que inevitavelmente levaria o cheio até as bordas criando uma tensão visual sutil.
O processo é intuitivo e não há uma regra específica no uso da cor, esta surge num acordo preciso entre quantidade e qualidade, em acertos independentes para cada trabalho. Mais recentemente, nas instalações efêmeras que utilizam a parede como suporte, em que a artista recorta efetivamente as formas em papel e as justapõe com cola num processo direto e irreversível, as cores são as que a industria oferece ou como Mirian nos relata: “são todas as que pude encontrar”. Novamente surge um sentido de familiaridade pelo reconhecimento da cor tal como a conhecemos aplicada a produtos, a cor industrial.
Nessas instalações, grandes colagens sobre a parede, se estabelece um dialogo com a arquitetura, quebra-se o espaço continente da tela e se coloca o desafio da escala real. O novo contexto claramente provoca uma alteração no ritmo do agrupamento de formas que então evolui, para ser acompanhado pelo olhar de quem caminha pelo espaço da sala.

Há claramente, nas diversas experiências, tanto nas telas repletas como nas cheias e vazias, ou mesmo nas paredes, a preocupação com a criação de um elemento sedutor para o olhar. A artista elabora uma imagem cativante e não agressiva, resultando numa visualidade que hipnotiza através da repetição harmônica e ritmada como um mantra. Trabalhando no campo da abstração geométrica, ela parece estar engajada na construção despretensiosa de uma poética calcada num fazer fluido e continuo, reafirmando a cada trabalho a escolha do seu ‘assunto para pintar’. Desta maneira, com a segurança da pessoa que já fez a escolha, pode lançar-se agora à tarefa poética para a criação e descoberta de novos significados e novas compreensões.


Outubro 2013

 


 

 

 

"O Ladrilhista"
Rafael Campos Rocha


Para Agamben, o contemporâneo é a resistência ao contemporâneo. Manter-se comprometido aos seus princípios e vontades, ou “calar-se perante ao excessivo comércio de palavras e de gestos”, como diria Kafávis. Mirian parece resistir, com seu construtivismo otimista e afirmativo, ao debate do monopólio da verdade perante tendências mais histriônicas e desiludidas – ou festivas – do panorama da arte internacional. Por outro lado, a artista parece querer recuperar, e de forma muito autoconsciente, a tradição supostamente “ladrilista” e racionalista da colonização espanhola, pelo menos se acreditarmos no historiador Sérgio Buarque de Holanda, com seus infinitos planos interdependentes, que parecem querer formar uma teia de conhecimento e urbanização por todo mundo. Verdade que, para esse crítico como para muitos outros, a ideia pode parecer desagradável, como costumam a ser desagradáveis as ambições sociais de vários artistas contemporâneos. Mas não é pelo direcionamento ideológico, e sim pela acuidade técnica e intelectual que o artista deve ser julgado, assim como pela intensidade que dedica ás suas próprias ideias.
Então, assim como não concordo com Griffit, Degas e Balzac, devo tirar o chapéu para todos eles por sua excelência artística, assim como eu tiro para Mirian Alfonso.


Junho / 2013
 

 

"A trama do prazer"

Guy Amado


Não é fácil afirmar o que predomina na pintura de Mirian, se as tramas geométricas que tomam compulsivamente a superfície de suas telas ou a cor caracteristicamente vibrante que aflora das mesmas. O fato é que é da combinação de elaboradas composições por assim dizer abstratas – pela simples ausência de uma figuração mais concreta - e de um intenso cromatismo que se conforma o cerne de sua produção. E cabe observar tratar-se de uma abstração não pautada na expressividade, quando pensada em seu registro mais estereotipado, de certa gestualidade a serviço de impulsos lírico-catárticos; embora não deixe de ser filtrada pela sensibilidade da artista, ela aqui se apresenta a serviço de uma linha de procedimentos mais racionalista, ainda que despretensiosa. Uma pintura que não se furta a assumir-se como saboroso exercício de experimentação, celebrando a dimensão de prazer que a permeia. Que não se acanha, enfim, de fazer da alegria seu mote.
A relação entre os elementos forma e cor se apresenta inequivocamente como central na obra da artista, com os mesmos assumindo papéis hierárquicos por vezes intercambiáveis. O desenho inicial, traçado para estruturar e dar forma às tramas das composições, ainda que aponte caminhos possíveis para sua cobertura pela cor, parece permanecer de certo modo refém dos desígnios imprevisíveis que aquela pode determinar, quando ocupa minuciosa e intuitivamente toda a superfície do suporte. Cor e formas se entrelaçam, ora competindo, ora realçando-se mutuamente. Dessa dinâmica, por vezes emergem instigantes movimentos ópticos, que tensionam aspectos relativos à canônica relação figura-fundo. As sensações de planaridade e profundidade se imbricam e se alternam, jogando com a percepção do espectador, abalando suas certezas.
Se o resultado final pode eventualmente sugerir uma fatura "tecnicamente fria", por conta do rigor compositivo e da recorrência a padrões geometrizados como elementos estruturais, há que se atentar para outras características desta pintura, que amortecem esse tipo de leitura. Obviamente que a própria cor, sempre onipresente, vibrante e generosa, é o primeiro fator a se contrapor a essa impressão. Mas ainda mais contundente, embora discreta, é a marca da pincelada, que aqui e ali Mirian insiste em tornar visível, como a explicitar o caráter pulsante, vital, com que encara sua práxis.

Imprimindo alta carga de intensidade em sua produção, Mirian elabora um colorido universo difuso, de formas que gravitam entre a composição abstrata e a sugestão de uma incerta figuração caleidoscópica, por sua vez potencializando as já citadas relações de planaridade e profundidade. Obras que indicam, na fatura a um só tempo despojada e cuidadosa e na padronagem algo repetitiva um procedimento compulsivo, mas ordenado e apaixonado, por trás do ato da criação. Transparece ainda em sua pintura um componente de afetividade, mais explicitamente evidenciado nos títulos prosaicos, singelos mesmo, com que nomeia suas telas.
Já foi dito que o artista pinta movido pelo objetivo de provocar prazer. “Supõe-se que o artista sabe perfeitamente o que é uma experiência prazerosa”, afirmou Richard Wollheim. E se o que interessa ao artista em sua prática, como propõe este teórico, é “manter o quadro no rumo certo, isto é, garantir que a experiência que ele calcula que irá produzir nos outros esteja em sintonia com o estado de espírito ou a intenção a partir da qual o pintou[1], a produção de Mirian se enquadra perfeitamente nesta máxima.


Guy Amado
Crítico e pesquisador em arte contemporânea
2006


São Paulo/ Brasil

 

[1] WOLLHEIM, Richard. A pintura como arte. São Paulo: Cosac & Naify, 2002

 

 

 

 

 

"La trama del placer"

No es fácil estar seguro de lo que predomina en la pintura de Mirian, si las tramas geométricas que toman de forma compulsiva la superficie de sus lienzos o el color característicamente vibrante de los mismos. La verdad es que en la combinación de elaboradas composiciones, diremos abstractas – por la simple ausencia de la figuración más concreta – y de un intenso cromatismo, toma forma el cierne de su producción.

Y cabe observar que se trata de una abstracción que no está pautada en la expresividad, si pensamos en su registro más estereotipado, de cierta gestualidad a servicio de impulsos lírico-catárticos; aunque no deja de ser filtrada por la sensibilidad de la artista, se presenta aquí con una línea de procedimientos más racionalista y, sin embargo, nada pretenciosa. Una pintura que no deja de asumirse como un sabroso ejercicio de experimentación, celebrando la dimensión del placer que la atraviesa. Que no se avergüenza, al fin y al cabo, de hacer de la alegría su meta.

 

La relación entre los elementos forma y color se presenta inequívocamente como centro de la obra de la artista, asumiendo papeles jerárquicos intercambiables. El diseño inicial, trazado para estructurar y dar forma a las tramas de las composiciones, aunque apunte a caminos posibles para su cobertura con el color, parece quedarse en cierto modo rehén de los designios imprevisibles que aquél puede determinar, cuando ocupa minuciosa e intuitivamente toda la superficie del soporte. Color y formas se entrelazan, ora compitiendo, ora realzándose mutuamente. De esta dinámica, emergen instigadores movimientos ópticos, que tensionan aspectos relativos a la canónica relación figura-fondo. Las sensaciones de planicie y profundidad se imbrican y se alternan, jugando con la percepción del espectador, debilitando sus certezas.

 

Si el resultado final puede eventualmente sugerir una factura “técnicamente fría” por el rigor compositivo y de recurrencia a los patrones geométricos como elementos estructurales, hay que estar atento a otras características de esta pintura que amortiguan este tipo de lectura. Es evidente que el propio color, siempre omnipresente, vibrante y generoso, es el primer factor a contraponerse a esta impresión. Todavía más contundente, a pesar de discreta, es la marcada pincelada, que aquí y allí Mirian insiste en hacer visible, como para explicitar el carácter pulsante, vital, con que encara su praxis.

 

Imprimiendo una alta carga de intensidad en su producción, Mirian elabora un colorido universo difuso de formas que gravitan entre la composición abstracta y la sugerencia de una improbable figuración caleidoscópica, a su vez potenciando e intensificando las ya mencionadas relaciones de planicie y de profundidad. Obras que indican un trabajo, al mismo tiempo despojado y cuidadoso y, en el patrón, algo repetitivo de un procedimiento compulsivo, pero ordenado y apasionado, base del acto de la creación. Aparece también en su pintura un componente de afectividad, más explícitamente evidenciado en los títulos prosaicos, sencillos, con que nombra sus lienzos.

 

Ya se ha dicho que el artista pinta movido por el objetivo de provocar placer. “Se supone que el artista sabe perfectamente lo que es una experiencia placentera”, afirma Richard Wollhein. Y si lo que interesa al artista en su práctica, como propone este teórico, es “mantener el cuadro en el rumbo correcto, es decir, garantizar que la experiencia que él calcula que va a producir en los demás esté en sintonía con el estado del espíritu o la intención a partir de la que pintó”1, la producción de Mirian se encuadra perfectamente en esta máxima.

 

Guy Amado

Crítico e pesquisador en arte contemporaneo

  2006    São Paulo/ Brasil

 

A cor da abstração


Quando Mirian me propôs que eu escrevesse um estudo sobre sua obra, me deparei com algumas dúvidas. Como escrever sobre alguém que não conheço pessoalmente? Como explicar sua paixão criativa e artística sem conhecer a artista? Não foi até alguns dias depois que compreendi que possuía a resposta às minhas perguntas.


A obra de um pintor é, em primeiro lugar e acima de tudo, o espelho de seu caráter, personalidade e sua vida, no mesmo instante em que é criada. O que levou o artista a ser como é, suas experiências tanto vitais como artísticas, seus conhecimentos e contatos com as pessoas de seu entorno próximo e ocasional, configuram o que sente no momento da criação. Mesmo que não seja consciente, a sua imaginação e a sua capacidade criativa estão influenciadas por essa visão do mundo. E esta obra, que observo continuamente, é a melhor carta de apresentação.


A produção de Mirian é o reflexo de uma pessoa apaixonada pela luz e suas formas, amante da insinuação e da alegria de seu Brasil natal, transmitida à tela de forma excepcional.


Se examinarmos a obra de maneira superficial, poderemos apreciar a composição estritamente geométrica dos quadros. Formas elementares, básicas do design, arquitetura e arte em geral. É a origem da composição. Mas não são simples formas. A tradição artística tem demonstrado, desde os estudos pitagóricos até as vanguardas do século XX, que a geometria é o principio criador da arte. Toda forma natural tem seu equivalente na geometria elementar. O cubismo e seu interesse pela estrutura já propôs a possibilidade de que a pintura poderia se converter em uma espécie de construção, semelhante à arquitetura. Pintores de Paris, Rússia e Holanda, como Klee e Kandinsky, são exemplos destes estudos.


Piet Mondrian compunha formas puras, linhas retas, inteligentemente combinadas com a cor, conseguindo uma arte disciplinada, ordenada, clara, que mostra leis objetivas da natureza. Realidades imutáveis, ocultas em aparências subjetivas. A obra de Mirian, responde a estas mesmas características.


Bem conhecida é a estreita relação existente entre a forma e a cor. Determinadas cores são realçadas por determinadas formas e mitigadas por outras. A harmonia das cores agudas e das profundas e de seus equivalentes formais determina o resultado visual da obra sobre o observador e proporciona a experiência estética.


A cor (nos conta Kandinsky em sua obra - O espiritual na arte) produz no observador sensações de satisfação, alegria e excitação. Sensações físicas que, como tais, são superficiais e não deixam impressão permanente. “Do mesmo modo que ao tocar o gelo somente se sente o frio físico e se esquece a sensação logo que se aquece novamente o dedo, assim se esquece também o efeito físico da cor quando o olho se afasta. E igual que a sensação física do gelo frio, se penetrar mais fundo, desperta sensações mais fortes e pode provocar toda uma serie de vivencias psicológicas, assim a impressão superficial da cor pode se converter em vivencia”.

 

E vivencia própria é o que nos transmite a obra de Mirian de los Angeles em suas obras. Experiências vividas na primeira pessoa pelo artista que lembram sensações únicas e pessoais no observador. Cores e formas que em uma atitude similar aos estudos da gestalt nos fazem questionar o que é  fundo e o que é superfície. Qual elemento está em primeiro plano e qual em segundo. Somente nossa visão e juízo pessoal decidirão o que está na frente e o que está atrás, participando ativamente na construção em si da imagem visual criativa. Um divertimento pouco habitual na arte contemporânea, que nos demonstra uma unidade perfeita de técnica e criatividade. A obra de uma pessoa com alma de artista.


Raquel Viejo Fernández    

     Historiadora da Arte    

2006     

León / Espanha     








    

EL COLOR DE LA ABSTRACCIÓN

 

 

Cuando Mirian me propuso escribir un estudio sobre su obra, se me plantearon algunas dudas. ¿Cómo escribir sobre alguien ha quien no conozco personalmente? ¿Cómo explicar su pasión creativa y artística sin conocer al artista? No fue hasta algunos días después cuando comprendí que poseía la respuesta a mis preguntas.

 

La obra de un pintor es, en primer lugar y por encima de todo, espejo de su carácter, su personalidad y su vida, en el mismo instante en que es creada. Lo que ha formado al artista a ser como es, sus experiencias tanto vitales como artísticas, sus conocimientos y contactos con las personas de su entorno próximo y ocasional, conforman lo que siente en el momento de la creación. Aunque no sea consciente, su imaginación y su capacidad creativa están influenciadas por esa visión del mundo. Y esta obra, que observo continuamente, es la mejor carta de presentación.

 

La obra de Mirian es el reflejo de una persona apasionada de la luz y sus formas, amante de la insinuación y de la alegría de su Brasil natal, transmitidas al lienzo de forma excepcional.

 

En un examen superficial de la obra, se puede apreciar la composición estrictamente geométrica de los cuadros. Formas elementales, básicas del diseño, la arquitectura y el arte en general. Es el origen de la composición. Pero no son simples formas. La tradición artística nos ha demostrado, desde los estudios pitagóricos hasta las vanguardias del siglo XX, que la geometría es el principio creador del arte. Toda forma natural tiene su equivalente en la geometría elemental. El cubismo y su interés por la estructura ya planteó la posibilidad de que la pintura podría convertirse en una especie de construcción, semejante a la arquitectura. Pintores de París, Rusia y Holanda, como Klee y Kandinsky, son ejemplos de estos estudios.

 

Piet Mondrian componía formas puras, líneas rectas, inteligentemente combinadas con el color, consiguiendo un arte disciplinado, ordenado, claro, que muestra las leyes objetivas de la naturaleza. Realidades inmutables ocultas en apariencias subjetivas. La obra de Mirian, responde a estas mismas características.

Bien conocida es la estrecha relación existente entre forma y color. Determinados colores son realzados por determinadas formas y mitigados por otras. La armonía de los colores agudos y los profundos y sus equivalentes formales determinan el resultado visual de la obra sobre el espectador y propician la experiencia estética.

 

El color (nos cuenta Kandinsky en su obra “De lo espiritual en el arte”) produce en el espectador sensación de satisfacción, alegría y excitación. Sensaciones físicas que, como tales, son superficiales y no dejan impresión permanente. <<Del mismo modo que al tocar el hielo sólo se siente el frío físico y se olvida esta sensación cuando se caliente de nuevo el dedo, así se olvida también el efecto físico del color cuando el ojo se aparta. E igual que la sensación física del hielo frío, si penetra más adentro despierta sensaciones más profundas y puede provocar toda una serie de vivencias psicológicas, así la impresión superficial del color se puede convertir en vivencia>>.

 

Y vivencia propia es lo que nos transmite, claramente, Mirian en sus obras.   Experiencias vividas en primera persona por el artista que recuerdan sensaciones únicas y personales al espectador.  Colores y formas que en actitud similar a los estudios de la Gestalt nos hacen dudar de cuál es el fondo y cuál la superficie. Que elemento está en primer plano y cuál en segundo lugar. Sólo nuestra visión y juicio personal decidirá qué hay delante y qué detrás, participando así activamente en la construcción misma de la imagen visual creativa. Un divertimento poco habitual en el arte contemporáneo que nos demuestra una unidad perfecta de técnica y creatividad. La obra de una persona con alma de artista.

 

Raquel Viejo Fernández     

Historiadora del Arte      

2006     

León - España     


"Aluga-se"
José Bento Ferreira


A enorme prancha de madeira repousa sobre móveis comuns e se oferece à luz do dia. Esse verdadeiro relevo abstrato busca relações com o espaço ao redor à maneira de Mondrian, mas o rigor geométrico das formas fractais o torna, como a “mônada” de Leibniz, “sem janelas”, incomunicável. A pintura modernista prometia uma fusão harmoniosa entre arte e mundo. A racionalidade metafísica aqui se limita ao contraste, não se encaixe com o que está em volta.

2010